š A AmeaƧa da Computação QuĆ¢ntica ao Bitcoin: O Que Ć© Real
A Ameaça da Computação Quântica ao Bitcoin: O Que é Real
A computação quântica estÔ deixando de ser apenas uma promessa teórica e começa a apresentar resultados concretos em laboratórios de grandes empresas e centros de pesquisa.
Com isso, cresce também a preocupação com o impacto que essa nova arquitetura de processamento pode ter sobre a segurança dos sistemas criptogrÔficos que sustentam o mundo digital, incluindo o Bitcoin.
A ameaça principal não estÔ ligada ao consenso ou à mineração. O risco estÔ na capacidade que computadores quânticos suficientemente potentes terão de quebrar os algoritmos de criptografia assimétrica usados para gerar assinaturas digitais no protocolo do Bitcoin.
Se isso ocorrer, atores com acesso à computação quântica poderiam acessar bitcoins armazenados em endereços cujas chaves públicas jÔ foram reveladas, como em transações antigas ou reutilizadas. Isso representa um risco real à integridade do sistema.
Ainda que esse cenÔrio esteja longe de ser uma realidade de curto prazo, o risco é concreto e precisa ser levado em conta. Cerca de 25% dos bitcoins em circulação estão, atualmente, em endereços considerados vulnerÔveis a ataques quânticos, seja por reutilização de chaves públicas ou por estarem em formatos antigos.
Ao contrÔrio do que sugerem manchetes alarmistas, a computação quântica não representa um colapso inevitÔvel para o Bitcoin. No entanto, é sim um desafio técnico importante, que exigirÔ atualizações na estrutura criptogrÔfica do protocolo.
Como o Bitcoin Ć© protegido hoje
A segurança do Bitcoin estÔ ancorada em dois pilares criptogrÔficos fundamentais: a criptografia de chave pública, utilizada para autenticação de transações, e o hashing criptogrÔfico, responsÔvel pela integridade dos blocos da rede.
No modelo de criptografia assimétrica, cada usuÔrio possui um par de chaves: uma chave privada (secreta, usada para assinar transações) e uma chave pública (compartilhada com a rede, usada para verificar a validade da assinatura).
No Bitcoin, esse esquema (criptografia assimƩtrica) Ʃ implementado pelo algoritmo ECDSA (Elliptic Curve Digital Signature Algorithm), que assegura que somente o verdadeiro detentor da chave privada pode movimentar os fundos associados a um endereƧo.
JÔ o hashing é utilizado para garantir a integridade e a imutabilidade dos blocos da blockchain. Cada bloco contém um identificador gerado pelo SHA-256, que transforma qualquer entrada (como os dados de transações) em uma sequência única de 256 bits.
Alterar qualquer informação dentro de um bloco modificaria seu hash, invalidando-o automaticamente em relação ao bloco seguinte. Essa propriedade é o que permite que a rede detecte manipulações ou tentativas de fraude.
A diferença entre esses dois mecanismos: a criptografia de chave pública protege a identidade e o controle de fundos, enquanto o hashing protege a integridade da cadeia de blocos como um todo.
No cenÔrio atual, ambas as técnicas são seguras contra ataques utilizando os computadores usuais. Não hÔ, até o momento, capacidade computacional prÔtica para derivar uma chave privada a partir de uma chave pública (ECDSA), nem para encontrar uma colisão no SHA-256.
No entanto, essa segurança parte de pressupostos vÔlidos somente sob a arquitetura computacional tradicional, e não a quântica.
Assim, embora o sistema ainda funcione com segurança no presente, os limites da abordagem atual jÔ são conhecidos, e a necessidade de adaptação diante de novos paradigmas computacionais é uma questão de tempo e de preparação.
Ameaças Reais da Computação Quântica
A principal ameaça da computação quântica ao Bitcoin estÔ na capacidade teórica de quebrar a criptografia usada nas assinaturas digitais.
Em especĆfico, o algoritmo de assinatura ECDSA (responsĆ”vel pelas chaves), torna-se vulnerĆ”vel diante de um tipo especĆfico de ataque viabilizado por computadores quĆ¢nticos: o algoritmo de Shor.
Shor, desenvolvido em 1994, é um algoritmo quântico (projetado para rodar em mÔquinas quânticas) que pode resolver com alta eficiência problemas de fatoração e de logaritmo discreto, que são justamente as bases de segurança dos algoritmos assimétricos, como o ECDSA.
Isso significa que, com uma mĆ”quina quĆ¢ntica suficientemente poderosa, seria possĆvel derivar a chave privada a partir de uma chave pĆŗblica revelada em uma transação. Esse processo Ć© computacionalmente inviĆ”vel em computadores tradicionais, mas nĆ£o em arquiteturas quĆ¢nticas.
Importante notar que essa ameaça recai apenas sobre as assinaturas digitais, e não sobre os mecanismos de hashing usados para proteger blocos no protocolo.
O SHA-256, que é um algoritmo de hash resistente a pré-imagem, continua seguro mesmo em cenÔrios quânticos, sofrendo apenas uma redução de sua força bruta (por meio do algoritmo de Grover), mas ainda considerado robusto para aplicações atuais.
O risco mais direto estĆ” associado a tipos especĆficos de endereƧos:
EndereƧos p2pk (pay-to-public-key), usados nas transaƧƵes iniciais do Bitcoin (incluindo as de Satoshi Nakamoto). Neles, a chave pĆŗblica jĆ” estĆ” visĆvel diretamente no endereƧo, o que os torna alvos óbvios de ataques se uma mĆ”quina quĆ¢ntica funcional for desenvolvida.
EndereƧos p2pkh (pay-to-public-key-hash) que foram reutilizados. Nesse formato, a chave pĆŗblica Ć© inicialmente oculta e só Ć© revelada no momento em que se realiza uma transação de saĆda. O problema ocorre quando esse mesmo endereƧo Ć© utilizado novamente para receber novos fundos, porque agora existe uma chave pĆŗblica exposta que pode ser linkada Ć chave privada via computação quĆ¢ntica.
Atualmente, as carteiras modernas adotam boas prÔticas de gerenciamento automÔtico de endereços. Isso significa que, a cada vez que o usuÔrio recebe um pagamento ou realiza uma transação, a carteira gera automaticamente um novo endereço (ou seja, uma nova chave pública associada a uma nova chave privada).
No entanto, por anos isso não foi seguido de forma ampla. Estimativas on-chain apontam que cerca de 25% dos bitcoins em circulação estão em endereços vulnerÔveis, seja por usarem o formato p2pk ou por reutilizarem endereços p2pkh. Isso representa mais de 4 milhões de BTC, ou mais de US$ 40 bilhões em valores atuais.
AlĆ©m disso, mesmo endereƧos considerados seguros hoje, como os p2pkh ou segwit nĆ£o reutilizados, enfrentam uma janela crĆtica de vulnerabilidade.
Isso ocorre entre o momento em que uma transação Ć© assinada (e a chave pĆŗblica Ć© exposta) e o instante em que ela Ć© confirmada na blockchain via mineração. Durante esse intervalo, um invasor com capacidade quĆ¢ntica poderia capturar a chave pĆŗblica, quebrĆ”-la e submeter uma transação concorrente oferecendo uma taxa maior, potencialmente se apropriando dos fundos antes da confirmação do envio legĆtimo.
Embora hoje nĆ£o existam computadores quĆ¢nticos capazes de realizar esse tipo de ataque em tempo real, o simples fato de que milhƵes de bitcoins estĆ£o tecnicamente acessĆveis caso tal tecnologia se concretize Ć© um vetor de preocupação para a rede. Mesmo um ataque pontual, se bem-sucedido, poderia abalar a confianƧa no sistema e gerar reaƧƵes em cadeia no mercado de criptoativos.
Caminhos de Defesa Quântica
A ameaça da computação quântica ainda não exige uma resposta emergencial, mas ela impõe uma necessidade de adaptação nos próximos anos. Felizmente, parte da comunidade jÔ estÔ se antecipando, tanto em prÔticas individuais quanto em debates sobre mudanças estruturais no protocolo do Bitcoin.
UsuÔrios mais conscientes jÔ adotam medidas de precaução simples e eficazes, como evitar a reutilização de endereços e sempre transferir seus fundos para endereços novos, onde a chave pública ainda não foi revelada, além de utilizar carteiras que jÔ possuem esses mecanismos nativos de proteção.
No nĆvel do protocolo, desenvolvedores discutem propostas de melhorias conhecidas como BIPs (Bitcoin Improvement Proposals). Algumas dessas propostas visam modificar o esquema de assinaturas digitais do Bitcoin, migrando para mĆ©todos mais resistentes a ataques quĆ¢nticos. Isso inclui, por exemplo, a adoção de algoritmos alternativos ao ECDSA.
Um exemplo de BIP Ć© o QRAMP (Quantum Resistant Asset Migration Proposal), uma proposta discutida pela comunidade para permitir uma transição segura e coordenada dos ativos em Bitcoin para novos formatos de endereƧos e assinaturas compatĆveis com criptografia pós-quĆ¢ntica. Embora ainda em fase de conceituação, esse BIP ilustra o movimento da comunidade em direção Ć resolução do problema quĆ¢ntico.
Esse esforço se conecta diretamente ao campo emergente da criptografia pós-quântica (PQC), que utiliza estruturas resistentes a computadores quânticos. A principal referência global nesse campo é o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST) dos Estados Unidos.
No contexto do Bitcoin, Ć© possĆvel que futuras atualizaƧƵes envolvam forks planejados, isto Ć©, mudanƧas no protocolo que exigem consenso entre os participantes da rede. Um hard fork para adoção de assinaturas pós-quĆ¢nticas Ć© uma das possibilidades em discussĆ£o. Ele permitiria a migração ordenada para novos esquemas criptogrĆ”ficos, preservando a seguranƧa da rede sem comprometer sua integridade histórica, como o BIP supracitado do QRAMP.
AlĆ©m disso, o próprio registro histórico da blockchain permanece intacto. Em um cenĆ”rio extremo, seria possĆvel restaurar o Bitcoin a partir desse histórico, iniciando uma nova rede jĆ” protegida contra riscos trazidos pela computação quĆ¢ntica.
Embora o risco ainda seja incipiente, os caminhos para mitigar seus efeitos estão sendo traçados de forma progressiva.
Um Desafio NĆ£o Apenas do Bitcoin
A chegada da computação quântica representa um risco estrutural que vai muito além do Bitcoin.
Toda a infraestrutura digital moderna (bancos, sistemas governamentais, redes de internet etc.) depende de algoritmos de criptografia baseados em fundamentos matemÔticos que poderão ser quebrados por computadores quânticos suficientemente potentes.
Sistemas bancĆ”rios utilizam criptografia assimĆ©trica para validar transaƧƵes e proteger dados sensĆveis. Provedores de internet e aplicaƧƵes web dependem do protocolo TLS (Transport Layer Security), cuja seguranƧa repousa nos mesmos fundamentos. Governos e forƧas armadas tambĆ©m usam chaves criptogrĆ”ficas para proteger comunicaƧƵes confidenciais.
Em todos esses casos, a quebra da criptografia pode expor segredos de Estado, sistemas de defesa e ataque, contas bancƔrias, registros mƩdicos e informaƧƵes privadas em escala global.
O desafio, portanto, nĆ£o Ć© especĆfico do Bitcoin, mas civilizacional.
Em termos tĆ©cnicos e de coordenação global, um paralelo possĆvel Ć© o bug do milĆŖnio, conhecido como Y2K. O problema envolvia sistemas que armazenavam datas com apenas dois dĆgitos para o ano, o que poderia causar falhas ao virar de 1999 para 2000. Embora nĆ£o fosse uma ameaƧa Ć criptografia, exigiu uma mobilização internacional para revisar e atualizar sistemas vulnerĆ”veis, e foi superado com ĆŖxito.
Dessa forma, o Bitcoin irĆ” impulsionar a transição para um novo sistema digital global com proteção Ć computação quĆ¢ntica. Por ser um sistema de código aberto, com forte engajamento tĆ©cnico da comunidade e governanƧa distribuĆda, o Bitcoin jĆ” discute soluƧƵes de forma pĆŗblica e estruturada, como vimos com os BIPs voltados Ć seguranƧa pós-quĆ¢ntica. AlĆ©m disso, sua importĆ¢ncia como reserva de valor descentralizada pressiona para que a rede seja proativa frente a ameaƧas emergentes.
Por fim, embora o risco seja concreto, hÔ uma janela de tempo para agir. O avanço da computação quântica é gradual, o que permite que desenvolvedores, empresas e governos tracem planos e estratégias de adaptação.
Autor: Daniel Ascen - Economista, Analista de Criptoativos e Fundador da Ascen Cripto
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